Saúde e Guerra - 1 ano da Guerra na Ucrânia
Ataques russos a hospitais ucranianos equivalem a crimes de guerra
O Tribunal Penal Internacional (TPI) foi solicitado a investigar a invasão da Ucrânia pela Rússia, que começou há um ano, em 24 de fevereiro de 2022. O Procurador do TPI, Karim Khan, visitou várias cidades ucranianas em maio passado e lá ele viu civis sendo bombardeados, sacos com corpos, e ouviu depoimentos de meninas e mulheres que foram estupradas e ex-prisioneiros de guerra que foram torturados por soldados russos.
Khan disse que havia “motivos razoáveis” para processos sob o Estatuto de Roma – o tratado que estabeleceu o TPI para investigar genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão.
Coletando evidências de crimes de guerra
Apesar de todas as violações conhecidas, garantir a responsabilidade não será fácil. O TPI foi auxiliado por investigadores forenses da Holanda que estão ajudando a “coletar evidências de acordo com os mais altos padrões internacionais”, disse Khan.
Garantir que os criminosos de guerra russos sejam julgados e condenados será quase impossível, a menos que haja uma mudança de regime. A Rússia retirou-se do Estatuto de Roma em 2016, depois que o TPI determinou que sua atividade na Crimeia equivalia a uma “ocupação em andamento”.
O TPI também está trabalhando com a Agência da União Européia (UE) para Cooperação em Justiça Criminal (Eurojust), que montou uma equipe de investigação conjunta para investigar crimes de guerra na Ucrânia, bem como a Rede Genocídio , uma rede europeia de juristas especializados em crimes internacionais.
Acesso ao aborto para refugiados na Polônia
Após um ano de guerra, o sofrimento físico e mental dos ucranianos é imenso. Até o final de 2022, 18 milhões de ucranianos precisavam de ajuda humanitária, com 14,5 milhões de pessoas precisando de assistência médica.
Cerca de oito milhões de ucranianos são refugiados, dependentes principalmente dos países vizinhos para sua sobrevivência.
Na semana passada, vários membros do Parlamento Europeu expressaram preocupação com as mulheres ucranianas que fugiram para a Polônia, que não permite o aborto, exceto se a vida da mulher estiver em perigo ou em casos de estupro ou incesto.
“Segundo a ONU, mais de um milhão e meio de ucranianos fugiram para a Polônia. Mulheres e meninas ucranianas que foram estupradas por soldados russos estão entre as milhões de pessoas que fugiram para a Polônia. Agora encontram-se num país que restringe duramente o acesso a cuidados de saúde reprodutiva, incluindo o aborto”, observaram os eurodeputados.
Eles perguntaram à Comissão Europeia como isso iria “garantir que as mulheres e meninas ucranianas que engravidaram como resultado de estupro tenham acesso a cuidados de saúde reprodutiva, incluindo o aborto, de acordo com a lei polonesa”.
A Revista Time descreveu um caso entre vários dos que continuam acontecendo:
Nos primeiros dias de maio, no terceiro mês da invasão da Ucrânia pela Rússia, uma mãe de 40 e poucos anos cruzou a fronteira para a Polônia em busca de segurança para si e para dois filhos adolescentes. Ela também carregava consigo um segredo: enquanto os russos avançavam em sua cidade natal, ela foi estuprada por soldados russos.
Ela não queria que ninguém soubesse do ocorrido, segundo a ONG polonesa que a socorreu. Seu marido, que está no exército ucraniano, estava lutando e fora de casa. Uma vez na Polônia, a mulher descobriu que estava grávida. Mas conseguir um aborto em um país com proibição quase total e navegar nesse terreno em um novo idioma estava longe de ser simples.
Com a continuidade da guerra, a violência sexual também continuará sendo cometida pelas tropas russas contra mulheres e meninas ucranianas, mais refugiados ucranianos na Polônia precisarão de acesso a serviços de aborto e contracepção de emergência.
Todas essas evidências e as inúmeras denúncias de estupro, são inclusas nas investigações do Tribunal Penal Internacional.
Instalações de saúde, energia e água bombardeadas
De acordo com o Sistema de Vigilância da OMS, até o dia 24 de fevereiro de 2023, 713 estabelecimentos de saúde foram atacados e o bombardeio contínuo destruiu o abastecimento de energia e água, dificultando o funcionamento dos hospitais e prejudicando a saúde das pessoas. Isso equivale a pelo menos dois ataques à saúde todos os dias ao longo do ano passado.
O relatório publicado pela organização Médicos pelos Direitos Humanos, intitulado Destruição e devastação: um ano de ataque da Rússia ao sistema de saúde da Ucrânia, apresenta as realidades enfrentadas pelos profissionais de saúde e pacientes na Ucrânia, já que as unidades de saúde foram atingidas várias vezes por mísseis e ataques.
De acordo com o relatório, dezenas de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde que prestavam tratamento médico foram mortos e feridos. Outros foram ameaçados, presos, feitos reféns e forçados a trabalhar sob a ocupação russa.
Por exemplo, o Hospital Multiprofile da cidade de Severodonetsk em Luhansk foi atingido 10 vezes entre março e maio de 2022, diz o relatório. Outro hospital em Kharkiv foi atingido cinco vezes.
Estes ataques dificultam o acesso das populações civis a medicamentos importantes, vacinas, cuidados para doenças crônicas, bem como cuidados regulares e contínuos de que as pessoas precisam para garantir sua saúde.
Todos estes ataques russos a profissionais de saúde e hospitais ucranianos equivalem a crimes de guerra e crimes contra a humanidade de acordo com as Convenções de Genebra e serão fortes evidências.
Saúde Mental e o impacto de uma guerra
De acordo com a OMS, aproximadamente 9,6 milhões de pessoas na Ucrânia podem ter transtornos em sua saúde mental. Isso se baseia em pesquisas anteriores sobre pessoas em regiões de guerras e conflitos, que mostram que quase um quarto (22%) desenvolve depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno bipolar ou esquizofrenia.
Para tentar atenuar este cenário, está em andamento um programa na Ucrânia com apoio da OMS para fortalecer o sistema de resposta a emergências e desenvolver a prestação de cuidados primários e comunitários de saúde mental. Para garantir que a resposta seja baseada em evidências, equitativa e faça uso eficaz de recursos limitados, a OMS apoiou o desenvolvimento de um roteiro priorizando ações que são urgentemente necessárias para atender às necessidades atuais. Lançado em 9 de dezembro de 2022 pela primeira-dama e primeiro-ministro da Ucrânia, Denys Shmyhal, o roteiro operacional facilitará uma resposta humanitária baseada em estruturas, recursos e inovações existentes.
A "Guerra Justa”
Normalmente fala-se pouco do cenário de saúde em uma guerra, apesar deste ser um elemento básico que deve ser garantido e uma bússola para verificar se os padrões da "guerra justa” estão realmente sendo implementados.
A Convenção de Haia (1899 e 1907) e as Convenções de Genebra tentaram regular os conflitos e o tratamento de prisioneiros de guerra e civis, impondo padrões internacionais. Três princípios estabelecidos pelas convenções geralmente regem a conduta durante a guerra: (1) os alvos devem incluir apenas combatentes e complexos militares e industriais legítimos; (2) os combatentes não devem usar métodos ou armas injustas (por exemplo, tortura e genocídio ); e (3) a força utilizada deve ser proporcional ao fim almejado. Basicamente, se estabelece limites morais na condução da guerra.
Como resultado da maior atenção dada aos abusos dos direitos humanos, a noção tradicional de que um chefe de estado goza de imunidade soberana por abusos de direitos humanos cometidos pelas forças armadas de seu país foi contestada. No entanto, não há consenso entre os teóricos da guerra justa sobre esses assuntos e suas implicações para o direito internacional continuam a ser vistos.
Alguns rejeitam que a própria ideia da “moralidade da guerra” se aplique ao uso de armas e outros reforçam que nenhuma teoria moral plausível poderia autorizar os horrores excepcionais da guerra.
Porém, levando em consideração as Convenções de Genebra, para alcançar o alto padrão de apoio a uma "guerra justa", é fundamental neste momento que os formuladores de políticas continuem a conectar os meios de guerra (o uso da violência) aos fins da guerra (uma paz justa). Não é por acaso que o pai do realismo moderno, Hans Morgenthau, concluiu sua obra-prima Política entre as Nações com uma ode à diplomacia.